“Levanto as mãos para o céu e agradeço ao SUS”: o relato de Diana Soliz, imigrante e sobrevivente da Doença de Chagas
Oi, meu nome é Diana Soliz, sou Boliviana, tenho 63 anos, e cheguei ao Brasil com mais ou menos 35 anos de idade. Foi aqui que descobri que tinha a Doença de Chagas, em 1998. A verdade é que não sei exatamente desde quando convivo com a doença, mas tudo começou quando comecei a passar mal, sentindo cansaço, tonturas, e problemas na visão.
Procurei ajuda no posto de saúde, e me pediram para repetir os exames. No início não tinha onde fazer, e foi então que consegui ser atendida no Hospital Dante Pazzanese, onde realizei os exames gratuitamente. Foi desde então que faço meu tratamento lá.
O Hospital Dante Pazzanese é um hospital excelente. Em 2006, precisei colocar um marcapasso, porque minha frequência cardíaca estava muito baixa. Desde então, sigo com acompanhamento constante.
Sou imigrante, e sempre digo que agradeço muito ao SUS, porque mesmo sendo estrangeira, consegui colocar o marcapasso, fazer todo o acompanhamento, e nunca fui tratada com diferença. Isso infelizmente não é a realidade para muitos imigrantes, que enfrentam barreiras e burocracias, apenas por não serem brasileiros. Mas comigo, todas as vezes fui bem atendida, por todos: médicos, enfermeiros, pessoal da limpeza, todos me trataram com carinho e respeito.
Troquei a bateria do marcapasso em 2014, e agora, daqui a seis meses, devo fazer nova troca. Sigo viva, graças ao SUS. Sempre fui bem tratada, e tenho fé que não será diferente nas próximas etapas.
Sempre falo que, depois do diagnóstico, a Doença de Chagas tem tratamento. Infelizmente ainda não tem cura, mas com o avanço da ciência, acredito que um dia isso será possível — para mim, para quem vive com a doença hoje e para os que ainda vão ser diagnosticados no futuro.
Agradeçam sempre pelo SUS. Eu falo com orgulho: nós imigrantes sabemos o valor do SUS, porque em nossos países muitas vezes não temos acesso à saúde gratuita e de qualidade. Aqui no Brasil, temos essa chance — e eu sou prova viva disso.
A trajetória de Diana Soliz, liderança comunitária e ativista da saúde em São Paulo, é um poderoso exemplo de como a experiência pessoal pode se transformar em ação coletiva e transformação social. Diagnosticada com a Doença de Chagas em sua fase crônica, Diana descobriu tardiamente que já convivia há décadas com o parasita — uma realidade comum entre milhares de brasileiros que ainda vivem à margem do acesso à saúde e da informação.
A sua história também nos faz refletir sobre o papel fundamental do Sistema Único de Saúde (SUS) na vida de milhões de brasileiros. É por meio do SUS que ações como o diagnóstico precoce, o tratamento integral e o acompanhamento contínuo de doenças negligenciadas se tornam possíveis. Um sistema universal, gratuito e público, que apesar dos desafios estruturais, segue sendo referência mundial na atenção básica, vigilância epidemiológica e campanhas de vacinação.
Mais do que um serviço, o SUS é uma conquista do povo brasileiro, garantida pela Constituição Federal de 1988, e precisa ser constantemente defendido e fortalecido. Entre seus princípios fundamentais estão a universalidade, a equidade e a participação social. Esta última é garantida por diretrizes claras estabelecidas na Lei nº 8.142/90, que determina a existência dos Conselhos de Saúde e das Conferências de Saúde em todas as esferas (municipal, estadual e federal), como espaços de representação popular para formulação, fiscalização e avaliação das políticas públicas de saúde.
A participação da sociedade civil organizada nesses espaços é o que dá vida ao controle social do SUS, permitindo que o cidadão se torne protagonista das decisões sobre os rumos da saúde pública. É nesse contexto que Diana Soliz se destaca: sua atuação vai além da denúncia e da visibilidade. Ela transforma sua dor em potência política, ocupando o lugar que lhe é de direito como cidadã e usuária do sistema de saúde.
Sua fala potente, seu ativismo e sua escuta sensível nos mostram que participação social não é apenas um direito previsto em lei — é um instrumento de transformação social. Quando a sociedade civil ocupa os espaços de decisão, o SUS se torna mais democrático, mais efetivo, mais comprometido com as realidades locais.
Iniciativas como o Programa Brasil Saudável, que valorizam a escuta ativa dos territórios, a atuação de lideranças locais e a co-construção de soluções com base na equidade, reforçam a importância de um SUS que não é só prestador de serviços, mas também promotor de cidadania e justiça social.
Movimento Nacional das Doenças Negligenciadas (MNDN): Uma Voz Coletiva pela Saúde e Justiça Social
O Movimento Nacional das Doenças Negligenciadas (MNDN) é uma organização dedicada a promover a eliminação de doenças negligenciadas no Brasil, atuando com iniciativas de saúde, conscientização e impacto social.
Desde sua fundação, o MNDN tem atuado em diferentes frentes, buscando não apenas soluções de saúde, mas também políticas públicas que tratem os determinantes sociais dessas doenças. O movimento marcou presença em eventos de relevância internacional, como na sede da OPAS em Brasília, onde reforçou a importância de parcerias globais para a erradicação das DTNs.
Apesar das conquistas, o movimento ainda enfrenta desafios como a invisibilidade das doenças negligenciadas, o estigma associado a elas e a resistência política em implementar ações de longo prazo. Contudo, o MNDN segue firme em sua missão de transformar realidades.
Entre os planos para o próximo ano, destacam-se:
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- A ampliação de campanhas de conscientização;
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- A busca por parcerias com novos setores da sociedade civil e da iniciativa privada;
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- A participação em instâncias internacionais para compartilhar experiências brasileiras e aprender com práticas de outros países.
Neste aniversário de um ano, o MNDN reafirma seu compromisso com a erradicação dessas enfermidades e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Com ações que unem ciência, política e mobilização social, o movimento mostra que é possível transformar realidades, mesmo diante dos desafios mais complexos.

Doenças Negligenciadas: Uma Ferida Aberta nas Margens do Brasil
Em pleno século XXI, milhões de brasileiros ainda convivem com doenças que remetem à pobreza extrema e ao abandono histórico. As doenças tropicais negligenciadas seguem invisíveis nos grandes noticiários, mas fortemente presentes na vida de comunidades inteiras, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e em bolsões de miséria.
Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 28,9 milhões de brasileiros estão expostos anualmente a doenças como:
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- Hanseníase,
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- Leishmaniose,
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- Doença de Chagas,
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- Esquistossomose,
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- Geo-helmintíases.
Essas enfermidades afetam majoritariamente populações empobrecidas, com pouco acesso à saúde, moradia digna e saneamento básico.
Dados do Censo Demográfico de 2022:
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- 49 milhões vivem sem esgotamento sanitário adequado;
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- 18 milhões sem coleta de lixo;
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- 6 milhões sem acesso à água potável;
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- 1,2 milhão sequer possuem banheiro em casa.
Essas condições são terreno fértil para que doenças evitáveis e tratáveis continuem a fazer vítimas, comprometendo vidas, histórias e comunidades inteiras.

Brasil: Um País com Ciência, Mas Ainda com Muros Invisíveis
O Brasil possui laboratórios públicos de referência, universidades de excelência e um sistema de saúde universal. No entanto, a presença de infraestrutura médica não garante, por si só, o fim dessas doenças. Sem investimento contínuo, políticas públicas efetivas e combate à desigualdade estrutural, o país permanece dividido entre o que a ciência pode fazer e o que de fato chega a quem mais precisa.
A doença de Chagas, por exemplo, ainda é negligenciada. Estima-se que 1 milhão de brasileiros estejam infectados — muitos sem saber. A enfermidade pode levar décadas para se manifestar e, quando não tratada precocemente, causa graves complicações cardíacas e digestivas.
Casos como o de Diana Soliz ilustram essa luta silenciosa. Diagnosticada na fase crônica, ela transformou sua história em ativismo político e comunitário. Sua fala é direta:
“Se eu tivesse sido diagnosticada quando era adolescente, talvez não teria chegado à fase cardíaca. Hoje luto para que outras pessoas não passem pelo mesmo.”
Movimentos Sociais: Protagonismo na Luta pela Saúde
A sociedade civil organizada tem sido um dos principais motores de mudança. A coordenação do movimento nacional de pessoas atingidas por doenças negligenciadas atua com firmeza no controle social e na incidência política, articulando comunidades, pressionando gestores e contribuindo com a criação de políticas mais justas.
Mesmo sem poder legislativo ou executivo, esses movimentos influenciam políticas públicas ao participar de conselhos de saúde, fóruns, comitês interministeriais e grupos de trabalho. Sua força está na capacidade de traduzir a realidade das comunidades afetadas em demandas legítimas.

Combate ao Estigma: Comunicação com Escuta e Empatia
Um dos maiores obstáculos enfrentados por quem vive com doenças negligenciadas é o estigma social. A hanseníase, por exemplo, ainda carrega preconceitos históricos que causam isolamento e violência simbólica.
Lideranças comunitárias atuam com linguagem acessível e escuta ativa, quebrando silêncios históricos e promovendo o acolhimento. Muitas vezes, essa escuta é o primeiro passo para que alguém busque ajuda e descubra que não está sozinho.
A Mídia e o Compromisso com a Transformação
A forma como a mídia retrata essas doenças pode contribuir para sua superação ou reforçar o preconceito. Reportagens mal conduzidas perpetuam a invisibilidade e o estigma.
É essencial que jornalistas e comunicadores atuem com ética, empatia e responsabilidade, dando espaço às vozes silenciadas e promovendo narrativas de dignidade. Como destaca a coordenação do MNDN:
“A dignidade começa com a escuta. E o fim da negligência começa com o reconhecimento das vozes que foram silenciadas por tanto tempo.”
Caminhos para um Brasil Saudável
Iniciativas como o programa Brasil Saudável representam avanços importantes, promovendo ações integradas de diagnóstico, prevenção e combate às doenças negligenciadas. Mas não basta cuidar da doença, é preciso cuidar das causas.
Combater as doenças negligenciadas é combater a desigualdade, o racismo estrutural, o abandono das periferias e a negligência política. É garantir que a saúde deixe de ser privilégio e se torne um direito vivido, em cada território esquecido, em cada comunidade invisibilizada.

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