Movimento Nacional das Doenças Negligenciadas alerta: um hospital público não pode repetir a lógica de exclusão que adoece e mata os mais pobres.
Na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Closeny Maria Soares Modesto, coordenadora estadual do MNDN, cobra compromisso com o SUS
Na última terça-feira (17), a Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) realizou audiência pública para discutir os rumos do novo Hospital Universitário Júlio Müller, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Com mais de R$ 220 milhões em investimentos previstos, a obra tem sido apresentada como símbolo de avanço na saúde pública estadual. No entanto, o Movimento Nacional das Doenças Negligenciadas (MNDN), representado por sua coordenadora estadual em Mato Grosso, Closeny Maria Soares Modesto, levou ao debate uma denúncia direta: o risco de o novo hospital nascer desconectado da realidade da população mais vulnerabilizada.
A fala de Closeny — que também integra o Conselho Municipal de Saúde de Várzea Grande e a Comissão de Integração Ensino-Serviço (CIES) — foi uma das poucas a tratar do SUS real, vivido nos territórios negligenciados:
“Falo hoje como representante estadual do Movimento Nacional das Doenças Negligenciadas (MNDN) em Mato Grosso, mas acima de tudo, como uma mulher que conhece a luta por saúde digna não pela teoria, mas pela prática diária nos territórios onde o SUS muitas vezes chega fragmentado, quando chega.”
📍 A realidade das doenças negligenciadas Mato Grosso é um dos estados mais desiguais da federação. Atrás dos números do agronegócio bilionário, existe um mosaico de comunidades onde o SUS chega tardiamente — ou nem chega. Ali, doenças consideradas “do passado” continuam adoecendo e matando, por falta de atenção primária, infraestrutura básica e ação intersetorial.
Segundo o IBGE e a Secretaria de Saúde:
Mais de 63 mil casos de hanseníase foram registrados no estado entre 1999 e 2018;
A malária segue presente em áreas específicas, com mais de 20 mil casos em uma década;
O avanço do desmatamento e da mineração ilegal colabora com a disseminação de leishmaniose e doenças vetoriais;
Em 2024, mais de 5 milhões de casos de dengue foram registrados no Brasil — e Mato Grosso está entre os estados com maior incidência.
Do outro lado desses números estão pessoas: moradoras de periferias urbanas, ribeirinhos, povos indígenas, comunidades quilombolas, trabalhadoras e trabalhadores da informalidade — gente que, como afirmou Closeny, “luta por saúde como quem luta por oxigênio”.
🏚️ O SUS não falha por acaso — ele é sabotado pela negligência política A coordenadora do MNDN lembrou que a crise da saúde pública não é acidental, mas fruto de décadas de desfinanciamento, elitização dos serviços e negligência institucional:
Em 2023, menos de 4% do orçamento federal foi destinado ao Ministério da Saúde;
Entre 2016 e 2023, o SUS perdeu cerca de R$ 40 bilhões em investimentos devido ao Teto de Gastos (EC 95);
O aparelho hospitalar do estado segue concentrado nas regiões metropolitanas, obrigando populações do interior e zonas rurais a percorrerem centenas de quilômetros em busca de atendimento.
“A crise é invisível para quem só olha planilha. Mas é brutal para quem vive na pele. Nós sabemos onde o Estado não chega. Porque a dor mora com a gente. A ausência de saneamento, de médico, de água tratada, não é exceção — é a regra.”
📍 Doenças negligenciadas: a face invisível da desigualdade O Brasil convive com um quadro grave de doenças evitáveis que seguem matando e mutilando por falta de ação política. Hanseníase, leishmaniose, doença de Chagas, tracoma, filariose, dengue, entre outras, atingem principalmente populações empobrecidas, com acesso precário a serviços de saúde, saneamento e moradia.
Closeny alertou:
“O Brasil vive uma crise invisível, mas brutal. São 28 milhões de pessoas expostas a enfermidades que têm cura e tratamento, mas continuam matando e mutilando por falta de saneamento, de moradia digna, de água potável, de presença pública nos territórios.”
“Não se trata apenas de vírus e bactérias. Trata-se de racismo ambiental, pobreza, abandono institucional e silêncio político.”
🏗️ Hospital é projeto de país Na audiência, Closeny fez questão de destacar que o HU-UFMT não pode ser apenas mais uma obra de concreto, mas precisa nascer com compromisso social.
“Estamos aqui para discutir o futuro do novo Hospital Universitário da UFMT. E esse futuro precisa ter nome e endereço. Porque um hospital público não é apenas uma obra de tijolos e concreto. É um projeto de país.”
“O HU que o povo de Mato Grosso precisa é um hospital que dialogue com o território, que escute a comunidade, que não veja a população como números, mas como vidas atravessadas por desigualdades históricas.”
🧩 Um hospital do povo, não de elite A coordenadora estadual foi enfática:
“Não queremos um hospital de elite. Queremos um hospital do povo.”
“Um hospital onde o estudante aprenda com o território. Onde o saber acadêmico caminhe ao lado dos saberes populares. Onde as doenças negligenciadas sejam levadas a sério, com protocolo, com escuta e com dignidade.”
Para o MNDN, isso significa criar um hospital com perfil assistencial voltado para populações invisibilizadas, com ações de vigilância, pesquisa e extensão ligadas às realidades locais.
“Essas não são apenas doenças negligenciadas. São pessoas negligenciadas.”
🏥 Um hospital para quem? O MNDN tem sido uma das poucas organizações a exigir que o novo HU-UFMT não reproduza a lógica hospitalocêntrica dissociada da realidade social.
“Queremos um hospital onde o estudante aprenda com o território. Onde o saber científico dialogue com o saber popular. Onde as doenças negligenciadas não sejam tratadas como exceção, mas como prioridade.”
Para Closeny, não basta ter um hospital de “excelência” se ele não atende a quem mais precisa. A excelência, afirmou ela, não deve ser medida pelo número de aparelhos de alta tecnologia, mas pela capacidade de responder às demandas reais do povo — que incluem, sim, as doenças da exclusão.
O hospital precisa nascer com:
Protocolos de acolhimento específicos para doenças negligenciadas;
Atuação forte em vigilância e saúde coletiva;
Projetos de extensão universitária enraizados nos territórios vulnerabilizados;
Formação crítica e humanizada de profissionais da saúde.
🧩 Universidade para quê, universidade para quem?
A crítica se estende também ao papel das universidades públicas. O HU é um hospital-escola. E a pergunta é: que tipo de escola queremos que ele seja? Uma escola que forma profissionais para os grandes centros privados? Ou uma escola que enraíza o conhecimento na realidade das quebradas e comunidades rurais?
“Não adianta termos ensino e pesquisa se a extensão fica para depois. O saber precisa caminhar com o povo, senão não serve ao SUS — serve ao mercado.”
O MNDN defende um HU que seja instrumento de democratização do conhecimento, onde o estudante seja desafiado a pensar saúde como direito coletivo, e não apenas como técnica de atendimento clínico. Onde os profissionais de saúde saiam das salas climatizadas e pisem no barro, na rua, na casa da dona Maria, no barraco do seu José, no corpo do Brasil real.
✊ O MNDN não discute saúde: vive saúde pública na prática A presença de Closeny na audiência pública não foi casual. Foi estratégica. Foi símbolo da atuação de um movimento nacional que nasceu a partir da dor e da luta, e que hoje se consolida como referência política na denúncia das iniquidades em saúde.
O MNDN é feito por pessoas que adoecem — mas não se calam. Por lideranças comunitárias, sobreviventes de doenças negligenciadas, profissionais da saúde, jovens de periferia e ativistas que recusam a naturalização do abandono.
“Nós somos o movimento de quem luta pela vida em silêncio há décadas. E agora fazemos barulho.”
🗣️ Presença política e escuta ativa O movimento cobrou que o hospital seja construído com participação da sociedade civil, presença dos conselhos e integração com os territórios.
“O HU-UFMT pode e deve ser referência nisso. Mas isso só será possível com vontade política, intersetorialidade e escuta permanente da sociedade civil.”
“E é por isso que estamos aqui: para garantir que esse hospital nasça com o DNA do povo.”
A coordenação nacional do MNDN reforçou esse posicionamento com uma mensagem direta:
“A saúde não se constrói apenas com estetoscópios e prontuários. Se constrói com presença, diálogo e compromisso com a dignidade humana.”
🟡 Controle social: o poder popular na saúde pública O controle social é o instrumento pelo qual o povo participa da formulação, fiscalização e avaliação das políticas públicas. No SUS, ele se dá por meio de conselhos e conferências de saúde, além de outros espaços institucionais e populares de participação.
Para o MNDN, o controle social é um direito conquistado com luta, que precisa ser garantido na prática — não apenas no discurso.
Em nota, a coordenação nacional do MNDN afirmou:
“Não temos o poder de legislar políticas públicas e nem de executá-las. Mas temos o poder do controle social. Temos a consciência política e sabemos a nossa realidade. Sabemos que nossa voz pode mudar prioridades, denunciar negligências e propor caminhos.”
É com base nesse princípio que o MNDN atua em conselhos municipais, estaduais e nacionais, denunciando o abandono e exigindo políticas públicas que olhem para quem mais precisa.
📍Em Mato Grosso
Por trás dos recordes do agronegócio, Mato Grosso convive com indicadores alarmantes de exclusão sanitária. O estado lidera os casos de hanseníase na região Centro-Oeste, com mais de 63 mil registros entre 1999 e 2018. Já a malária permanece ativa em áreas específicas — como Colniza, Aripuanã e Pontes e Lacerda —, somando mais de 20 mil casos em uma década, segundo estudos da UFMT.
O avanço descontrolado da pecuária sobre áreas de floresta tem contribuído para a disseminação da leishmaniose cutânea, escancarando a ligação entre devastação ambiental e adoecimento coletivo.
Os dados do Censo de 2022 revelam um cenário de vulnerabilidade estrutural:
33 mil sequer têm banheiro em casa.
1,2 milhão de pessoas vivem sem coleta de esgoto;
mais de 300 mil sem coleta de lixo;
cerca de 180 mil não têm acesso à água tratada;
👩🏽⚕️ Quem é Closeny Maria Soares Modesto? Além de coordenadora estadual do MNDN, Closeny é conselheira municipal de saúde em Várzea Grande e membro da Comissão de Integração Ensino-Serviço (CIES), espaço estratégico para conectar formação acadêmica com os serviços de base.
Sua fala na audiência pública foi uma aula de SUS com compromisso social. Foi a denúncia de quem conhece o abandono por dentro. Mas também foi anúncio: é possível fazer diferente. E o HU-UFMT pode ser o começo.
“A saúde não se constrói apenas com estetoscópios e prontuários. Se constrói com presença, diálogo e compromisso com a dignidade humana.”
Closeny Maria Soares Modesto
🎥 Assista na íntegra a fala de Closeny na ALMT:
Closeny Maria Soares Modesto, Cordenadora Estadual do Movimento Nacional das Doenças Negligenciadas, defende um hospital de portas abertas para os territórios invisibilizados durante audiência pública na ALMT.
Uma resposta para “Movimento Nacional das Doenças Negligenciadas alerta: um hospital público não pode repetir a lógica de exclusão que adoece e mata os mais pobres.”
George Balaka
This is a commendable work towards restoring hope and dignity for the people suffering from these neglected diseases .
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